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Família Brigola: Uma análise histórica

Cartão postal do vapor Bonn, que trouxe ao Brasil muitos imigrantes ucranianos, que vieram principalmente para a construção da estrada de ferro que liga São Paulo ao Rio Grande do Sul.

Desde criança foi motivo de curiosidade a origem do sobrenome polonês de minha mãe, Brigola. Ouvia histórias de que o sobrenome havia sido “emprestado” de outra família pelo meu bisavô, José Brigola, mas ninguém sabia ou podia comprovar o motivo exato. Alguns diziam que era por causa de alguma guerra ou perseguição.

“Brigola” é um sobrenome nada parecido com os demais sobrenomes poloneses ou russos, geralmente formados por palavras com muitas consoantes e poucas vogais. A palavra brigola (espanhol) ou briccola (italiano) dá nome a uma máquina de cerco medieval, uma catapulta, usada para romper muralhas. Sua origem vem do alemão brechen, que significa romper.

Ainda neste mesmo banco de dados, a linhagem de José Brigola é sucinta. Seus pais se chamam José Brigola e Maria Brigola, mas não existe nenhuma informação sobre tios ou avós.
Apenas uma irmã: Olga Brigola Jendrzejczyk.
O nome da mãe de José também aparece escrito de formas diferentes: Marianna, na certidão de casamento, e Maria Valesk  no atestado de óbito.

Pelo que minha mãe sempre nos contava, nossos bisavós maternos José e Paulina vieram muito jovens para o Brasil no mesmo navio. Casaram também muito cedo, talvez muito jovens mesmo para os padrões da época, pois “a vó Paulina recém-casada ainda brincava de boneca” – conta minha mãe.

O ponto de partida de minha investigação foi um registro de hóspedes da antiga “Hospedaria da Ilha das Flores”, no Rio de Janeiro. A Ilha das Flores que hoje faz parte do município de São Gonçalo chamava-se Ilha de Santo Antônio, no século XIX, e passou a ser conhecida como “Ilha da Dona Flores” por pertencer a Delfina Felicidade do Nascimento Flores.

Em 1834, a Dona Flores passou por dificuldades financeiras e precisou vender a Ilha para o Tesouro Nacional. A partir de então a ilha serviu de abrigo para os imigrantes que chegaram ao Brasil até 1966, quando se tornou uma base da Marinha.

A função da Hospedaria da Ilha das Flores era concentrar os imigrantes e fornecer alimentação e assistência médica aos que acabavam de desembarcar dos vapores originários de diversas partes do mundo.

Foi no registro de hóspedes da Ilha  que encontrei o nome de minha bisavó, Paulina Tybinka, na época com 8 anos, junto aos seus pais, Maria Vitoria Ostrowicz e Mykyta Tybinka, e irmãos: Josepha (5 anos), André (16 anos), Katharina (11 anos) e Wladimir (2 anos). O registro traz também a data de entrada: 04/07/1908 e o nome do navio: Bonn. A nacionalidade, profissão e destino de todos os hóspedes desta página do livro de registro são as mesmas: agricultores da Áustria com destino ao Paraná.

 

Trecho do livro de registros da Hospedaria da Ilha das Flores, que mostra a família de Mykyta e Maria Tybinka com suas respectivas idades.

 

A Áustria citada neste documento não é o pequeno país que conhecemos hoje, com 80 mil km², menor que o estado de Pernambuco. Na verdade diz respeito ao Império Austro-Húngaro, que dominava a região conhecida por Galícia e outros territórios europeus – que hoje fazem parte de países como Itália, Áustria, Alemanha, Polônia, Eslováquia, Romênia, Hungria, Croácia e Sérvia. O império chegou a somar uma área de 676 mil km² e mais de 400 mil soldados. Após a dissolução do império, o território da Galícia foi dividido entre o que hoje é a Ucrânia e Polônia.

Os registros do arquivo nacional mostram que o vapor Bonn contribuiu para a chegada de imigrantes ao Brasil através de um total de 44 viagens  em 10 anos: a primeira realizada em 23/01/1902 e a última em 03/12/1912. Todas as viagens do Bonn, incluindo a que trouxe minha bisavó, partiram do porto de Bremen, na Alemanha.

No período em que meus bisavós vieram ao Brasil (entre 1908 e 1914) chegaram ao Brasil mais de 20 mil ucranianos. A motivação principal da corrente imigratória deste período específico foi a construção da estrada de ferro entre São Paulo e Rio Grande do Sul.

Trecho do registro de passageiros do vapor Bonn, que mostra o nome de Paulina Tybinka junto aos seus irmãos.

Apesar de encontrar informações suficientes sobre a família de minha bisavó, o sobrenome original de meu bisavó ainda era uma incógnita. A única pista que tinha era que José e Paulina vieram no mesmo navio, então comecei a procurar evidências de um possível José na lista de passageiros do vapor Bonn .

Para construir a hipótese, eu consegui um registro de casamento de José e Paulina  , que diz:

Aos catorze de setembro de mil novecentos e quinze, em Ivaí, não havendo impedimento, na presença de … Victor … e das testemunhas … André Tybinka … receberam-se em matrimônio José Brygota e Paulina Tybinka. Ele, solteiro, com 19 anos, natural da Polônia e residente em Ivaí e filho de José Brygota e de Marianna Mituva (?). Ela, solteira com 16 anos, natural da Galícia e residente em Ivaí é filha de Miroslau Tybinka e Maria Ostrowivcz.

 

Trecho do registro de casamento entre José Brygota e Paulina Tybinka, de 14/09/1915

 

Além de descobrir que José e Paulina não casaram tão jovens como nas histórias que ouvi, o documento traz a diferença de idade entre eles: 3 anos. Como os dois supostamente vieram no mesmo navio, eu poderia procurar na lista de passageiros do Bonn uma pessoa chamada José com 11 anos, lembrando que Paulina tinha 8 durante a viagem do vapor.

Foi assim que comecei a vasculhar o registro de passageiros do Bonn, o vapor de 2568 toneladas que aportou no Rio de Janeiro em 04 de Julho de 1908, trazendo 63 passageiros – todos eles “sem queixas”, de acordo com o documento.

Infelizmente não encontrei nenhum registro que pudesse corresponder ao nome de meu bisavô na lista de passageiros do Bonn. Existem diversos José ou Joseph na lista, mas eu esperava pelo menos encontrar este nome junto ao nome da irmã de José, Olga, e de seus pais.

Com isso, comecei a suspeitar de que talvez José e Paulina não tivessem vindo no mesmo navio. E comecei uma nova busca por José e Olga nos registros da Hospedaria da Ilha das Flores.

Encontrei o registro de casamento de Olga Brigola , e no documento consta que nasceu no dia 20 de Março de 1912 na Polônia, 16 anos após o nascimento de seu irmão, José. Ou seja, o navio que trouxe Paulina e sua família chegou ao Brasil em 1908, portanto Olga não poderia estar no mesmo navio. Aqui temos duas hipóteses: José e Olga vieram com os pais ao Brasil depois de 1912 ou Olga nasceu no Brasil apesar de constar no documento que tinha origem polonesa.

Para a primeira hipótese, temos um intervalo curto de tempo entre o ano de nascimento de Olga na Polônia (1912) e o ano de casamento de seu irmão José com Paulina, no Brasil, em 1915. Assumindo que José e Paulina vieram da mesma região da Europa, o primeiro passo seria vasculhar registros de passageiros de navios que chegaram ao Brasil depois de 1912 vindos da Galícia ou então os registros da hospedaria da Ilha das Flores

Registros de passageiros e registros de hóspedes da Ilha das Flores são, na verdade, imagens de manuscritos da época. Alguns muito extensos como, por exemplo, o registro de hóspedes de um ano na Ilha das Flores soma mais de quinhentas páginas de manuscritos. Isto torna muito difĩcil encontrar o nome de um parente em meio a tantos nomes. Parecia que estava chegando a um beco sem saída, até esbarrar em um outro nome nos registros genealógicos: Francisco Brigola.

 

Os irmãos de José

No início de minhas pesquisas, acreditava que José tinha apenas uma irmã: Olga, nascida em 1912. Mas as peças começaram a se encaixar quando encontrei o nome de Francisco Brigola, nascido em 1891. Encontrei o nome de Francisco em um processo de naturalização  de 1940 que diz o seguinte:

Com o ofício n. 21.193 de 9/22238, o Superint. Da R. de V. Paraná-Sta. Catarina, encaminha o requerimento em que pede naturalização Francisco Brigola, caso, natural da Polônia, nascido a 12-12-1892, filho de José Brigola e de Maria Brigola, residente no Estado de S. Paulo, exercendo as funções de feitor com 27 anos de serviço e 29 de permanência no país, tendo desembarcado no porto de Paranaguá. Assim, parece-me que se poderá conceder a naturalização solicitada…

 Aqui se revela mais uma peça do quebra-cabeça! O documento diz que em 1940, Francisco estava há 29 anos no Brasil e que desembarcou em Paranaguá. Ou seja, o navio que trouxe Francisco e meu bisavô José chegou ao Brasil em 1911. Olga, a irmã mais nova, provavelmente veio no ventre de sua mãe Maria.

O mesmo processo de naturalização também inclui uma carta assinada por Francisco, direcionada ao “Exmo Snr. Ministro de Estado dos Negocios do Interior e Justiça”:

…o requerente abaixo assinado vem perante V.Excia declarar o seguinte:
Que seu nome é Francisco Brigola;
Que nasceu no dia 12 de Dezembro de 1892, em Lubartuw (Polônia);
Que é filho legítimo de José Brigola e Maria Brigola;
Que é casado com a senhora estrangeira, Vitoria Brigola, nascida no Estado de Lubartuw, cujo consórcio se realizou no mês de Fevereiro de 1915.
Que do casal tem 3 filhos brasileiros;
Que reside no Estado de São Paulo desde 1928, ou seja, 11 anos e mais 18 anos no Estado do Paraná;
Que é funcionário da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, exercendo o cargo de feitor da turma Quadro de Itararé, da linha Itararé-Uruguai, do Departamento da Via Permanente, cujo tempo de serviço é desde 1912, ou seja, 27 anos.
Que desembarcou na cidade de Paranaguá, Estado do Paraná, em mês de Junho de 1911, não recordando-se do nome do vapor.

Aqui temos o mês do desembarque de Francisco e seus irmãos: Junho de 1911. Além disso, mostra que Francisco, assim como os milhares de imigrantes poloneses e ucranianos, veio ao Brasil para trabalhar na construção da estrada de ferro que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul.

Trecho da carta assinada por Francisco Brigola, em que solicita sua naturalização ao Ministério do Interior, em 1939.

A estrada de ferro São Paulo – Rio Grande do Sul, também ficou conhecida como Itararé-Uruguai e começou a ser construída em 1897 após outorga do Imperador Dom Pedro II. O primeiro trecho construído ligou Itararé a Porto União e foi concluído em 1905.

O projeto da estrada foi assinado por João Teixeira Soares dez anos antes do início da construção. Engenheiro que deu nome à uma pequena cidade no interior do Paraná, nos arredores de Ponta Grossa.

A busca pelas origens

Os documentos de Francisco foram fundamentais para focar minhas pesquisas em um determinado período de tempo.

O objetivo agora era buscar na lista de passageiros dos vapores que chegaram ao Brasil em 1911 e nas listas de hóspedes da Ilha das Flores, os nomes de José e Maria ao lado de seus filhos Francisco, Olga e José.

A principal pergunta que queria responder era: Eles usaram o sobrenome Brigola no embarque ou o sobrenome era outro e acabou sendo abrasileirado após sua chegada?.

Buscar nomes nos manuscritos das listas de passageiros dos navios é bastante trabalhoso, pois são vários arquivos com imagens muitas vezes não muito nítidas e com caligrafia às vezes difícil de entender.

Resolvi focar inicialmente na lista de hóspedes da Ilha das Flores de 1911 .
O primeiro registro que encontrei foi o de Petronela Brigola, de origem russa/polonesa, que desembarcou em 21 de Julho de 1911 no vapor Francesca vindo de Trieste, na Itália, com escala na Rússia. Petronela, com então 46 anos, estava acompanhado de Ludwik, Marianna, Josefa e Jan. Nenhum dos nomes que procurava, mas aqui temos um registro do sobrenome Brigola na lista de hóspedes e, mais importante, poderia agora consultar na lista de passageiros do Francesca  se este foi o mesmo sobrenome fornecido no embarque.

Logo na primeira página da lista de passageiros do vapor Francesca, encontra-se o registro de Petronela Brigola, acompanhado de Ludwik, Maryanna, Leiveryna, Josefa, Jan, e outra pessoa também chamada de Josefa.

Desço os olhos ainda mais pela lista e encontro pessoas com o sobrenome “Brygota” e “Brygola”. Muito mais “Brygotas” do que “Brigolas” na lista. E finalmente, no registro 157 da lista encontro o nome de meu trisavô e sua família: Josef Brygota, de 40 anos, Marya Brygota de 47 e seus filhos: Franz, de 20 anos, o Francisco `cujo processo de naturalização foi fundamental para a pesquisa e Josef, de 16 anos, meu bisavô. Além dos dois filhos do casal, a lista traz o nome das filhas: Aniela, Alexandra, de 7 e 3 anos de idade respectivamente e uma criança de 1 ano chamada Felixa.

 

Trecho da lista de passageiros do vapor Francesca, em que consta a família de meu trisavô Josef Brygota.

 

Os mesmos nomes são encontrados na lista de hóspedes da Ilha das Flores, com data de 24 de Julho de 1911.

 

Lista de hóspedes da Ilha das Flores, em que consta a família de Joseph Brygota.

A vinda ao Brasil

Árvore genealógica da família Brigola, à direita o nome de meu avô, Ladislau Brigola, falecido em 1987.
 

Em 29 de Junho de 1911, o vapor Francesca partiu do porto de Trieste, na Itália, para uma escala na Rússia, onde embarcaram 152 pessoas de 34 famílias que tinham como destino o estado do Paraná. O vapor também levava 10 alemães de 2 famílias que tinham como destino o Rio Grande do Sul.

A família de Josef e Marya Brygota embaracam no Francesca após sairem de sua cidade natal, Lubartów. Na época, esta cidade polonesa pertencia ao império russo desde 1815. Lubartów, que hoje possui cerca de 21 mil habitantes também fez parte de um triste capítulo da Segunda Guerra Mundial. Em 1942 a população da cidade era formada em sua maioria por judeus, que foram todos transportados para os campos de extermínio de Sobibór e Belzec. A cidade só se libertou dos nazistas em 1944 após uma batalha vencida pelo exército polonês.

Josef e Marya, que não imaginavam que sua cidade teria em 30 anos este triste destino, levaram consigo os filhos Francisco, de 20 anos, Josef, de 16, e as filhas Aniela, Alexandra e Felixa com 7, 3 e 1 ano respectivamente.

O vapor navegou durante aproximadamente 25 dias até chegar ao Rio de Janeiro. Um relatório assinado pelo intérprete Arthur Ferrera, anexo à lista de passageiros do navio, menciona que durante a viagem houve o falecimento de um passageiro e que os passageiros levavam 400 marcos (moeda alemã da época) e 7030 rublos (moeda russa).

Imagem do vapor Francesca, que trazia imigrantes europeus  à América partindo de Trieste, na Itália.

 

A família chegou ao Rio de Janeiro, onde se hospedou na Ilha das Flores em 24 de Julho de 1911. Sabe-se que mais tarde eles se estabeleceram na cidade de Ivaí, no Paraná.

Com relação ao sobrenome da família, recorri ao colega Luiz Zientek, estudante de polonês, e descobri que a forma original de escrita é Brygoła. O “L” cortado, ł,  é uma consoante única, presente apenas no alfabeto polonês, e tem o som de “U”, ou seja, a pronúncia original seria “Brigoua”. Esta letra causou confusão na hora de transcrever o sobrenome nos documentos oficiais, é por isso que o sobrenome é encontrado como “Brygola”, “Brygota” e finalmente “Brigola”.

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Jorge A. Senger

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